Jorra água da boa no sertão capixaba, que ocupa quase 40% do território do ES - O Patim

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Jorra água da boa no sertão capixaba, que ocupa quase 40% do território do ES

Água jorrando da terra

Água boa e barata começa a jorrar na principal cidade do Noroeste do Espírito Santo, que compõe o que já é considerado o “sertão capixaba”, formado por 24 municípios acima do rio Doce.

 

O município de Barra de São Francisco resolveu enfrentar a estiagem dando uma solução definitiva ao problema de abastecimento: perfurando poços artesianos e buscando no subsolo aquilo de que as pessoas mais necessitam – mais até mesmo do comida no prato, mas que também falta se não houver água para plantar.

 

O primeiro dos 15 poços contratados jorrou com fartura, à razão de 68 mil litros por hora e vai irrigar o hortão municipal, que produz verduras e legumes que garantem a alimentação de creches, escolas municipais, do centro de apoio alimentar (fornece cerca de 800 marmitas por dia à população em situação de vulnerabilidade) e ainda é distribuído para moradores dos bairros mais pobres.

 

Alternativa

 

Há seis anos, quando as regiões Norte e Noroeste capixabas enfrentavam uma das secas mais severas de sua história, o Ministério do Meio-Ambiente cravava: 36% do território do Estado, ou seja, 16.679 quilômetros quadrados, já se constituíam em solo de sertão, o que, fora do Nordeste brasileiro, somente ocorre em Minas Gerais e no Espírito Santo.

 

Iniciou-se um programa de construção de barragens para oferecer segurança hídrica a quase 1 milhão de pessoas que habitam a área, compreendida por 24 municípios. Um deles, Barra de São Francisco, ganhou uma dessas barragens, mas, quatro anos depois da obra concluída, o problema continua.

 

O Brasil está enfrentando, neste momento, a maior estiagem dos últimos quase 100 anos e o sertão capixaba não está diferente. Mas resta uma esperança, que brota no município que tem na extração de rochas ornamentais, hoje, sua maior riqueza, mas tenta resgatar aquilo que o sustentou até 30 anos atrás, quando o granito começou a ser explorado: a agricultura.

 

Água do subsolo

 

Muita água jorrando da terra

A boa-nova não precisou de propaganda: na última sexta-feira (8), a água jorrou com fartura e, no total, o município prevê investir R$ 90 mil em 15 poços artesianos, com a expectativa de acrescentar 250 mil litros por hora à oferta de água para beber, para dar ao gado e para irrigar lavouras.

 

O resultado foi acompanhado pelo próprio prefeito Enivaldo dos Anjos, que passou um bom tempo no PDT, antes de desfiliar-se para ser conselheiro do Tribunal de Contas do ES e, uma vez aposentado, sem encontrar mais a mesma identidade no partido, acabou aceitando o convite de Gilberto Kassab para fundar o PSD no Estado e, pela legenda, conquistar mais dois mandatos de deputado e, agora, de novo prefeito, depois de 30 anos que governou o município pela primeira vez.

 

“Vamos investir esses R$ 90 mil e garantir um reforço de 250 mil litros de água por hora ao município, para abastecimento de casas na sede e em todos os distritos, e irrigação de lavouras de café, ainda nossa principal cultura agrícola e que sustenta milhares de pessoas”, disse o prefeito.

 

Essa medida, além de aproveitar o que o subsolo oferece, ainda evita um ambiente muito próprio à corrupção: a costumeira utilização de carros-pipa, que, principalmente, no Nordeste do País revela-se cara e um campo minado, e não é de hoje. Em 2013, um major e um sargento do Exército foram condenados, junto com um condutor de carro-pipa, por terem feito parte de um esquema de corrupção no abastecimento de água na cidade de Choró, a 155,7 km de Fortaleza. O crime ocorreu em 2008.

 

A solução de São Francisco pode ser um bom exemplo a ser copiado por outros municípios. Afinal, o Espírito Santo já tem mais municípios em processo de desertificação do que Estados nordestinos como Rio Grande do Norte (3), Paraíba (11), Pernambuco (6), Alagoas (7) e Sergipe (14), conforme reportagem do jornalista Patrick Camporez, em A Gazeta (2016). Ele mesmo nascido em um desses municípios capixabas, Vila Valério. Hoje, Patrick é repórter da revista Época em Brasília.

 

Economia e fartura

 


O prefeito Enivaldo dos Anjos disse que cada poço artesiano vai custar ao município R$ 15 mil e, na média, a expectativa é de que tenham uma vazão de 16 mil litros de água por hora. “O primeiro, que vai irrigar o hortão municipal e abastecer o complexo que estamos construindo na Vila Industrial, com área de eventos e curral para exposição de animais, deu 68 mil litros de água com 60 metros de profundidade. Mas nem todos são iguais”, disse o prefeito.

 

Para se ter uma ideia do que um poço artesiano representa de vantagem equivalente, em termos de economia e produtividade, em 2014 quando São Paulo enfrentava uma grave estiagem, com o comprometimento de seus reservatórios a níveis críticos – atualmente, o quadro está pior -, um caminhão-pipa com 20 mil litros de água era vendido por até R$ 3 mil.

 

“Já estamos com outro poço perfurado também na área da Cachoeira do Granito e vai garantir o abastecimento do balneário para servir às pessoas com segurança. Vamos fazer o mesmo em todos os nossos distritos e também na sede. Queremos alternativa de abastecimento para garantir segurança hídrica para a população. Ademais, já estamos visando o futuro, pois temos uma perspectiva de aumento da população por causa dos projetos de duas ferrovias e de duplicação da BR 381 e não podemos ser surpreendidos. Temos que estar prontos”, acrescentou Enivaldo.

 

Tragédia antiga

 

Situação crítica em Ecoporanga (Foto: Defesa Civil)

No final da década de 80, eu comandava a Sucursal de A Gazeta em Colatina, quando uma forte seca se abateu sobre o município. Estiagens em determinados intervalos de tempo são comuns, mas, com o desmatamento sem medida, elas tornaram-se cada vez mais severas. Na época apurei junto ao pessoal da então Emater (hoje, Incaper) que na década de 20 o município, então, com 80% de cobertura vegetal, tinha enfrentado uma grave estiagem, mas nada com as consequências de hoje em dia.

 

Em 1989, quando eu viajava pela empoeirada BR 381, entre Barra de São Francisco e Governador Valadares, para imprimir mais uma edição do “Jornal de São Francisco”, tive a oportunidade de fotografar um rio totalmente seco na região leste de Minas Gerais. Fiquei assustado pois, nascido e criado no Sul do Estado, nunca havia presenciado algo parecido.

 

No início dos anos 2000, quando cursava Geografia na Ufes, aprendi, tecnicamente, a identificar sinais de desertificação e verifiquei, numa pesquisa de campo sobre nossa hidrografia, esses sinais na vegetação mesmo do Sul do Estado, na bacia do Itapemirim, sobre a qual realizei estudo detalhado.

 

Em sua reportagem de 2016, Patrick Camporez escreveu que a situação do Espírito Santo preocupava o professor Fábio Ribeiro Pires, da Ufes, doutor em Agronomia e especialista em conservação do solo e da água.

 

Preocupado com o futuro das áreas em situação de desertificação, o professor da Ufes ressaltava que as monoculturas praticadas incorretamente e o pastoreio excessivo diminuem a capacidade que a terra tem de filtrar a água.

 

“Deixa o solo seco, duro, e a chuva escoa na superfície em forma de enxurrada, assoreando os córregos e arrastando os agroquímicos para os rios e oceanos. O problema não é retirar a cobertura florestal, mas sim praticar atividades agrícolas insustentáveis, que tiram a fertilidade do solo e desabastecem os lençóis”, destacou.

 

A maior parte dos municípios sob risco de virar deserto começou a ser desmatado já no final da década de 1920, após a construção da imponente ponte sobre o Rio Doce, em Colatina. Na época, o governador Florentino Avidos pretendia interligar os dois lados do estado e levar o progresso à região mais ao Norte. E conseguiu.

 

Nas décadas seguintes, a região foi totalmente ocupada por filhos de colonos que saíram do Sul do estado, mas isso aconteceu às custas da destruição ambiental. Da floresta original, sobrou menos de 15%, registrou Camporez.

 

No final do século passado, no Sul do Estado, surgiram algumas iniciativas de recuperação, como o projeto “Plantadores de Água”, que criaram verdadeiros oásis na região de influência de Alegre, com apoio do Centro Universitário da Ufes, com o mais antigo curso de Agronomia do Estado e especializado em Ciências Agrárias.

 

Por conta disso, a região do Caparaó já não sofreu tanto as consequências da estiagem a partir de 2014 e nem na atual.

 


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