Água boa e barata começa a jorrar na principal
cidade do Noroeste do Espírito Santo, que compõe o que já é considerado o
“sertão capixaba”, formado por 24 municípios acima do rio Doce.
O município de Barra de São Francisco resolveu
enfrentar a estiagem dando uma solução definitiva ao problema de abastecimento:
perfurando poços artesianos e buscando no subsolo aquilo de que as pessoas mais
necessitam – mais até mesmo do comida no prato, mas que também falta se não
houver água para plantar.
O primeiro dos 15 poços contratados jorrou com
fartura, à razão de 68 mil litros por hora e vai irrigar o hortão municipal,
que produz verduras e legumes que garantem a alimentação de creches, escolas
municipais, do centro de apoio alimentar (fornece cerca de 800 marmitas por dia
à população em situação de vulnerabilidade) e ainda é distribuído para
moradores dos bairros mais pobres.
Alternativa
Há seis anos, quando as regiões Norte e
Noroeste capixabas enfrentavam uma das secas mais severas de sua história, o
Ministério do Meio-Ambiente cravava: 36% do território do Estado, ou seja,
16.679 quilômetros quadrados, já se constituíam em solo de sertão, o que, fora
do Nordeste brasileiro, somente ocorre em Minas Gerais e no Espírito Santo.
Iniciou-se um programa de construção de
barragens para oferecer segurança hídrica a quase 1 milhão de pessoas que
habitam a área, compreendida por 24 municípios. Um deles, Barra de São
Francisco, ganhou uma dessas barragens, mas, quatro anos depois da obra
concluída, o problema continua.
O Brasil está enfrentando, neste momento, a
maior estiagem dos últimos quase 100 anos e o sertão capixaba não está
diferente. Mas resta uma esperança, que brota no município que tem na extração
de rochas ornamentais, hoje, sua maior riqueza, mas tenta resgatar aquilo que o
sustentou até 30 anos atrás, quando o granito começou a ser explorado: a
agricultura.
Água do subsolo
A boa-nova não precisou de propaganda: na
última sexta-feira (8), a água jorrou com fartura e, no total, o município
prevê investir R$ 90 mil em 15 poços artesianos, com a expectativa de
acrescentar 250 mil litros por hora à oferta de água para beber, para dar ao
gado e para irrigar lavouras.
O resultado foi acompanhado pelo próprio
prefeito Enivaldo dos Anjos, que passou um bom tempo no PDT, antes de
desfiliar-se para ser conselheiro do Tribunal de Contas do ES e, uma vez
aposentado, sem encontrar mais a mesma identidade no partido, acabou aceitando
o convite de Gilberto Kassab para fundar o PSD no Estado e, pela legenda,
conquistar mais dois mandatos de deputado e, agora, de novo prefeito, depois de
30 anos que governou o município pela primeira vez.
“Vamos investir esses R$ 90 mil e garantir um
reforço de 250 mil litros de água por hora ao município, para abastecimento de
casas na sede e em todos os distritos, e irrigação de lavouras de café, ainda
nossa principal cultura agrícola e que sustenta milhares de pessoas”, disse o
prefeito.
Essa medida, além de aproveitar o que o subsolo
oferece, ainda evita um ambiente muito próprio à corrupção: a costumeira
utilização de carros-pipa, que, principalmente, no Nordeste do País revela-se
cara e um campo minado, e não é de hoje. Em 2013, um major e um sargento do
Exército foram condenados, junto com um condutor de carro-pipa, por terem feito
parte de um esquema de corrupção no abastecimento de água na cidade de Choró, a
155,7 km de Fortaleza. O crime ocorreu em 2008.
A solução de São Francisco pode ser um bom
exemplo a ser copiado por outros municípios. Afinal, o Espírito Santo já tem
mais municípios em processo de desertificação do que Estados nordestinos como
Rio Grande do Norte (3), Paraíba (11), Pernambuco (6), Alagoas (7) e Sergipe
(14), conforme reportagem do jornalista Patrick Camporez, em A Gazeta (2016).
Ele mesmo nascido em um desses municípios capixabas, Vila Valério. Hoje,
Patrick é repórter da revista Época em Brasília.
Economia e fartura
O prefeito Enivaldo dos Anjos disse que cada poço artesiano vai custar ao município R$ 15 mil e, na média, a expectativa é de que tenham uma vazão de 16 mil litros de água por hora. “O primeiro, que vai irrigar o hortão municipal e abastecer o complexo que estamos construindo na Vila Industrial, com área de eventos e curral para exposição de animais, deu 68 mil litros de água com 60 metros de profundidade. Mas nem todos são iguais”, disse o prefeito.
Para se ter uma ideia do que um poço artesiano
representa de vantagem equivalente, em termos de economia e produtividade, em
2014 quando São Paulo enfrentava uma grave estiagem, com o comprometimento de
seus reservatórios a níveis críticos – atualmente, o quadro está pior -, um
caminhão-pipa com 20 mil litros de água era vendido por até R$ 3 mil.
“Já estamos com outro poço perfurado também na
área da Cachoeira do Granito e vai garantir o abastecimento do balneário para
servir às pessoas com segurança. Vamos fazer o mesmo em todos os nossos
distritos e também na sede. Queremos alternativa de abastecimento para garantir
segurança hídrica para a população. Ademais, já estamos visando o futuro, pois
temos uma perspectiva de aumento da população por causa dos projetos de duas
ferrovias e de duplicação da BR 381 e não podemos ser surpreendidos. Temos que
estar prontos”, acrescentou Enivaldo.
Tragédia antiga
No final da década de 80, eu comandava a
Sucursal de A Gazeta em Colatina, quando uma forte seca se abateu sobre o
município. Estiagens em determinados intervalos de tempo são comuns, mas, com o
desmatamento sem medida, elas tornaram-se cada vez mais severas. Na época
apurei junto ao pessoal da então Emater (hoje, Incaper) que na década de 20 o
município, então, com 80% de cobertura vegetal, tinha enfrentado uma grave
estiagem, mas nada com as consequências de hoje em dia.
Em 1989, quando eu viajava pela empoeirada BR
381, entre Barra de São Francisco e Governador Valadares, para imprimir mais
uma edição do “Jornal de São Francisco”, tive a oportunidade de fotografar um
rio totalmente seco na região leste de Minas Gerais. Fiquei assustado pois,
nascido e criado no Sul do Estado, nunca havia presenciado algo parecido.
No início dos anos 2000, quando cursava
Geografia na Ufes, aprendi, tecnicamente, a identificar sinais de desertificação
e verifiquei, numa pesquisa de campo sobre nossa hidrografia, esses sinais na
vegetação mesmo do Sul do Estado, na bacia do Itapemirim, sobre a qual realizei
estudo detalhado.
Em sua reportagem de 2016, Patrick Camporez
escreveu que a situação do Espírito Santo preocupava o professor Fábio Ribeiro
Pires, da Ufes, doutor em Agronomia e especialista em conservação do solo e da
água.
Preocupado com o futuro das áreas em situação
de desertificação, o professor da Ufes ressaltava que as monoculturas
praticadas incorretamente e o pastoreio excessivo diminuem a capacidade que a
terra tem de filtrar a água.
“Deixa o solo seco, duro, e a chuva escoa na
superfície em forma de enxurrada, assoreando os córregos e arrastando os
agroquímicos para os rios e oceanos. O problema não é retirar a cobertura
florestal, mas sim praticar atividades agrícolas insustentáveis, que tiram a
fertilidade do solo e desabastecem os lençóis”, destacou.
A maior parte dos municípios sob risco de virar
deserto começou a ser desmatado já no final da década de 1920, após a
construção da imponente ponte sobre o Rio Doce, em Colatina. Na época, o
governador Florentino Avidos pretendia interligar os dois lados do estado e
levar o progresso à região mais ao Norte. E conseguiu.
Nas décadas seguintes, a região foi totalmente
ocupada por filhos de colonos que saíram do Sul do estado, mas isso aconteceu
às custas da destruição ambiental. Da floresta original, sobrou menos de 15%,
registrou Camporez.
No final do século passado, no Sul do Estado,
surgiram algumas iniciativas de recuperação, como o projeto “Plantadores de
Água”, que criaram verdadeiros oásis na região de influência de Alegre, com
apoio do Centro Universitário da Ufes, com o mais antigo curso de Agronomia do
Estado e especializado em Ciências Agrárias.
Por conta disso, a região do Caparaó já não
sofreu tanto as consequências da estiagem a partir de 2014 e nem na atual.
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