Encontrei inspiração para essa reflexão ao iniciar a releitura de uma densa biografia de Steve Jobs, que provocou talvez a maior disrupção da humanidade desde que o homem é sapiens. Não tem Revolução Agrícola, não tem Revolução Industrial, nada que supere o que aconteceu no mundo a partir dos anos 80, elevando à categoria de “homo deus”, para usar uma classificação do historiador Yuval Harari, pelo menos dois personagens: Steve Jobs e Bill Gates.
Steve Jobs, filho adotado, entre sentimentos de abandono e
de ser especial, começou sua disrupção ainda criança, quando chegou à escola
alfabetizado pela mãe e não se adequou ao modelo de educação que lhe era
oferecida, por isso passou a ser o que se pode chamar de aluno-problema. Sua
notável inteligência fez a escola propor aos pais, ao final do período básico, após
a aplicação de um exame cognitivo, que ele avançasse três anos na escola.
Os pais aceitaram a ideia, mas somente com o avanço de um
ano, já o suficiente para que Steve aumentasse sua inadequação entre colegas
mais velhos. Foi salvo por uma atenta professora, que percebeu sua “especialidade”
e o desafiou com uma série de testes de matemática muito além daquilo que a turma
fazia, e ante sua resistência inicial, “corrompeu-lhe” com a oferta de um
pirulito gigante colorido e mais 5 dólares se acertasse a maioria das questões.
Steve lacrou, ganhou o prometido e passou a fazer esses testes
da professora não mais para ganhar pirulitos e dólares, mas para satisfazê-la.
E foi assim que a mestra se tornou uma de suas referências na vida.
Comentar isso é fundamental para introduzir o tema, haja
vista que, morando na região onde estava instalada a Nasa e os aparelhos
militares que gravitavam em torno dela, nas cercanias de Palo Alto, onde está a
famosa Universidade de Stanford, na Califórnia, Steve juntou a fome com a
vontade de comer. Como dizia Vinicius de Moraes, o operário faz a coisa e a
coisa faz o operário. Infeliz de quem não reconhece isso. O homem faz o meio e
é por ele feito.
Minhas leituras de Psicologia do Sucesso, a que dediquei,
até agora, um terço mais recente de minha vida, permitem-me afirmar que tudo o
que existe foi antes “projetado” na mente de um sonhador. Pessoas desconformes
mudam o mundo, os acomodados não mudam nada. Fique atento da próxima vez que
seu filho demonstrar rebeldia, principalmente na mais tenra idade. A mente dele
está se desenvolvendo.
Desenvolvi um estranho sentimento com partidas e chegadas em
terminais rodoviários, acho que por causa do trem. Era na estação do Alegre que
eu vivia a alegria da chegada e a tristeza da partida do único avô que conheci,
o vô Levindo. Um dia um trem desconhecido o levou para nunca mais. E nunca mais
pude vê-lo alisando palha de milho no paiol lá de casa para fazer seus “pitos”
de fumo de rolo picados calmamente com um canivete bem amolado. Também não pude
ir na garupa da égua nos passeios que ele fazia à rua. Meu padrastro, o pai que
aprendi a amar, que me deu referência masculina, emprestava-lhe o animal com
prazer. Como eles se davam bem!
O trem que Agepê cantou em “Lá vem o trem” (1975) e que me
marcou nos versos “dizem que o trem vai chegar e levar para um mundo melhor
quem merece”.
O Brasil abandonou o trem para adorar os automóveis, sabe lá Deus em que bases de negociatas. Agora, alguns sonhadores chegam com seus projetos bilionários, que causam incredulidade na maioria, mas é bom entender que nada existe sem ter sido antes sonhado. Como ouvi um dia de um economista, o dinheiro não desaparece, ele simplesmente troca de mãos. E sou obrigado a admitir que o dinheiro é capaz de produzir progresso social e econômico, transformando a geografia dos lugares definitivamente.
É curioso. No seu plano de governo nas eleições municipais
de 2012, o atual prefeito Enivaldo dos Anjos incluiu o desejo de que a cidade
de Barra de São Francisco tivesse uma ferrovia para escoar o granito que produz
em grande quantidade e aumentar a segurança dos transportes, ao mesmo tempo em
que diminuiria o custo dos fretes. Na época, o que se podia sonhar era com um
ramal da Vitória-Minas, que dependeria do intrincado regime de concessão
vigente no modelo ferroviário brasileiro.
Mal podia esperar que, menos de dez anos depois, ao
conseguir, finalmente, voltar a ser prefeito de sua terra, após 30 anos, encontraria
sua ideia ganhando corpo num contexto nacional de retomada de um projeto
ferroviário, não mais com dinheiro público, mas com dinheiro privado. Repito a
lição do meu amigo economista: o dinheiro só troca de mãos. E lembro lições
aprendidas na Sociologia Econômica de que o capital procura ambientes onde
possa se reproduzir. Cada vez mais.
De repente, Barra de São Francisco (notem a associação do
São Francisco de seu rio com a região onde Steve Jobs criou e desenvolveu sua
Apple, no vale do silício, empresa que vale mais do que todas as empresas
brasileiras da Bolsa de Valores, incluídas nossas gigantes Vale e Petrobras) se
vê no caminho não de uma, mas de duas ferrovias projetadas pela ambição de
progresso de uma empresa criada por um Dom Quixote de la Mancha dos tempos
modernos, que dedica sua vida a convencer autoridades, tecnocratas,
empreendedores de sua viabilidade e, pouco a pouco, vai concebendo um império –
por enquanto na prancheta, mas é assim que se começam todas as grandes transformações.
Não desprezem o
futuro. Ele virá, queiramos ou não. Compete aos que têm a oportunidade de
fazê-lo o dever de criar a ambiência para que ele venha o mais breve possível.
Habilitem-se os que gostam da vida pública. Habilitem-se os que têm espírito
empreendedor. Habilitem-se os que gostam de ser operários da coisa, lembrando
que a coisa também faz o operário. Percebam a oportunidade como uma mula cotó e
agarrem-na pela frente. Se não o fizerem, a única coisa que sairá de sua
traseira será estrume – e depois não se queixem.
Eu gosto da ideia de participar de algo que vai ser muito
maior do que eu próprio. De algo que vai causar grande impacto, que vai beneficiar
grandemente gerações de pessoas que eu nem conheço e que talvez nem venha a
conhecer. Agora, imaginem-se, os que estão dentro do espaço geográfico em que a
coisa vai acontecer, o quanto podem fazer e se beneficiar.
(José Caldas da Costa, jornalista e geógrafo)
(Na primeira foto, do acervo do IHGA, a inauguração da estação ferroviária de Alegre-ES em 1919; na segunda foto, a mesma estação em 1940)
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