Comando Vermelho, PCC e os erros de uma geração - O Patim

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Comando Vermelho, PCC e os erros de uma geração

Erros de uma geração somente são sentidos uma ou duas gerações à frente. Especialmente na política. Assim é que hoje colhemos os frutos de erros cometidos durante o regime militar imposto ao Brasil entre 1964 e 1985. Erros do governo, erros da oposição.

Minha pesquisa levou a um capítulo especial dedicado ao tema em “Caparaó – a primeira guerrilha contra a ditadura” (Boitempo, SP, 2007). Nele abordo, por exemplo, o erro cometido pelo governo militar de misturar presos políticos com presos comuns, e o erro cometido pelos presos políticos de acharem que era possível “ganhar os presos comuns para a causa”.

Tanto um quanto o outro são admitidos por quem os cometeu. No caso do governo, eu me ative à vasta literatura que pesquisei, juntamente com jornais e revistas. No caso da resistência, baseei-me, principalmente, em fontes primárias, enquanto entrevistava os personagens do episódio central do livro.

As chamadas maiores organizações criminosas brasileiras nasceram desses e outros erros. Por exemplo, o Comando Vermelho tem um nome sugestivo exatamente de sua origem no relacionamento de presos comuns e políticos em penitenciárias como Frei Caneca e Ilha Grande (na foto do acervo de O Globo). Nasceu como Falange Vermelha.

Chegamos ao capricho de ter um livro contando a história da origem dessa organização: “Quatrocentos contra um”, de William da Silva Lima, o “Professor”, que teve os primeiros contatos com presos políticos ao encontrar-se com marinheiros presos em 1963 e depois com outros presos políticos do período pós-golpe. Assim como ele, quantos outros tiveram esse contato!

Um dos meus entrevistados, Avelino Capitani, me disse: “Cometemos a ingenuidade de acreditar que poderíamos conquistar os presos comuns para nossa causa”. E chegou a ser convidado, depois que cumpriu pena por integrar a resistência ao regime, para “assessorar” uma organização criminosa do Rio de Janeiro. Recusou o convite, “por princípio”. Mas certamente outros pegaram. “A proposta era boa”, admite.

A distensão lenta e gradual fez com que o regime militar se prolongasse por uma geração – ou seja, quem era criança nos anos 60 cresceu sob o regime; e muitos desses repetiram suas lições para seus filhos. De um modo ou de outro. Não se pode saber, com certeza, por quantas gerações os erros de uma podem se perpetuar, até se dissipar ante novos ensinos e práticas sociais.

O PCC (Primeiro Comando da Capital), criado nos presídios paulistas, tem, segundo as autoridades, em Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, nascido em 1968, um de seus fundadores e seu líder nas últimas décadas, mesmo preso na chamada penitenciária de máxima segurança máxima do País – condenado a mais de 300 anos de prisão.

E quem é Marcola? Um “cliente” do sistema penitenciário desde os 18 anos. Isto depois de ter passado por instituições de menores na infância e adolescência. Filho de um boliviano e uma brasileira, que morreram e o deixaram órfão pelas ruas de São Paulo. Menino cheirador de cola, virou Marcola. Foi de trombadinha a líder de organização, registra a Folha de São Paulo. Curioso é que sua formação intelectual se deu, inteiramente, nas prisões, lendo grandes pensadores.

Inegável é que Marcola é fruto de mais um desses erros que vão se perpetuando. O Brasil está para os bolivianos pobres assim como os Estados Unidos estão para os mexicanos. Eles, os bolivianos, são hoje o maior grupo de imigrantes em São Paulo – onde foram e são explorados em regimes análogos a escravidão, especialmente em oficinas de confecções de bairros populares, como Braz. Nessas oficinas nascem e crescem crianças que, se derem sorte, poderão escapar de ser um novo Marcola – mas o risco de repetir é muito grande.

Notícias recentes da imprensa dão conta de que Comando Vermelho e PCC ameaçam explodir postos de gasolina e caminhões tanque para obrigarem o Governo a agir na redução do preço dos combustíveis. Mas o pior parece que ainda está por vir. O Jornal da Band noticiou que mercenários africanos, continente de onde procede, atualmente, a maior leva de imigrantes para o Brasil, estariam treinando em guerrilha urbana membros de facções criminosas no interior da floresta amazônica.

O esgarçamento social, tanto do ponto de vista econômico quanto de valores, torna o campo fértil para o surgimento de coisas assim. Existem “exemplos” que surtem efeitos muito rápidos, mas outros virão depois de uma ou duas gerações. Efeitos econômicos são sentidos de imediato, mas somente bem depois sentiremos, por exemplo, o verdadeiro efeito dos desatinos verborrágicos e de desconstrução de valores humanos praticados, principalmente, pelo atual inquilino do Palácio do Planalto.

Quando leio sobre a saga de Oswaldo Cruz e sua cruzada vacinista de 100 anos atrás, fico pensando se a humanidade avançou ou regrediu em um século. Fico lembrando dos meus amiguinhos com suas pernas atrofiadas e pensando se teria sido em vão o esforço de Albert Sabin para extinguir a paralisia infantil, por meio da vacinação. Fico pensando se essa gente que fala contra a vacina, que está salvando a humanidade nessa pandemia de Covid, por acaso foi vacinada quando criança ou se chegou aqui sem nenhuma contribuição da ciência.

Acho que o historiador e cientista Youval Noah Harari está profundamente equivocado em sua trilogia best-seller, especialmente com as previsões probabilísticas que faz da “revolução dos robôs”. A inteligência artificial não vai precisar se dar ao trabalho de anular ou talvez até extinguir a raça humana, parece que nossa burrice e nossa ignorância coletiva vão dar conta disso sozinhas.

(José Caldas da Costa, geógrafo e jornalista há mais de 40 anos)

 

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