O Patim: Alegre
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sábado, 1 de janeiro de 2022

Ferrovias: tudo o que existe, foi sonhado antes no “coração” de alguém

1.1.22
Ferrovias: tudo o que existe, foi sonhado antes no “coração” de alguém

Encontrei inspiração para essa reflexão ao iniciar a releitura de uma densa biografia de Steve Jobs, que provocou talvez a maior disrupção da humanidade desde que o homem é sapiens. Não tem Revolução Agrícola, não tem Revolução Industrial, nada que supere o que aconteceu no mundo a partir dos anos 80, elevando à categoria de “homo deus”, para usar uma classificação do historiador Yuval Harari, pelo menos dois personagens: Steve Jobs e Bill Gates.


Steve Jobs, filho adotado, entre sentimentos de abandono e de ser especial, começou sua disrupção ainda criança, quando chegou à escola alfabetizado pela mãe e não se adequou ao modelo de educação que lhe era oferecida, por isso passou a ser o que se pode chamar de aluno-problema. Sua notável inteligência fez a escola propor aos pais, ao final do período básico, após a aplicação de um exame cognitivo, que ele avançasse três anos na escola.


Os pais aceitaram a ideia, mas somente com o avanço de um ano, já o suficiente para que Steve aumentasse sua inadequação entre colegas mais velhos. Foi salvo por uma atenta professora, que percebeu sua “especialidade” e o desafiou com uma série de testes de matemática muito além daquilo que a turma fazia, e ante sua resistência inicial, “corrompeu-lhe” com a oferta de um pirulito gigante colorido e mais 5 dólares se acertasse a maioria das questões.


Steve lacrou, ganhou o prometido e passou a fazer esses testes da professora não mais para ganhar pirulitos e dólares, mas para satisfazê-la. E foi assim que a mestra se tornou uma de suas referências na vida.


Comentar isso é fundamental para introduzir o tema, haja vista que, morando na região onde estava instalada a Nasa e os aparelhos militares que gravitavam em torno dela, nas cercanias de Palo Alto, onde está a famosa Universidade de Stanford, na Califórnia, Steve juntou a fome com a vontade de comer. Como dizia Vinicius de Moraes, o operário faz a coisa e a coisa faz o operário. Infeliz de quem não reconhece isso. O homem faz o meio e é por ele feito.


Minhas leituras de Psicologia do Sucesso, a que dediquei, até agora, um terço mais recente de minha vida, permitem-me afirmar que tudo o que existe foi antes “projetado” na mente de um sonhador. Pessoas desconformes mudam o mundo, os acomodados não mudam nada. Fique atento da próxima vez que seu filho demonstrar rebeldia, principalmente na mais tenra idade. A mente dele está se desenvolvendo.


Um bando de malucos sonhadores está falando em construir alguns milhares de ferrovias no Brasil. Alguns desses malucos estão entre nós, talvez bem pertinho. O trem faz parte de nossa memória coletiva, mesmo de quem nunca andou em um. Eu cresci vendo o trem serpentear entre as montanhas do meu Alegre, no Caparaó. Da janela de nossa casa, sem água enganada e sem luz elétrica, na roça, minha mãe e meu irmão ficavam acompanhando a fumaça da locomotiva passando em direção a Celina e Guaçuí e advinhando seu percurso.  


Desenvolvi um estranho sentimento com partidas e chegadas em terminais rodoviários, acho que por causa do trem. Era na estação do Alegre que eu vivia a alegria da chegada e a tristeza da partida do único avô que conheci, o vô Levindo. Um dia um trem desconhecido o levou para nunca mais. E nunca mais pude vê-lo alisando palha de milho no paiol lá de casa para fazer seus “pitos” de fumo de rolo picados calmamente com um canivete bem amolado. Também não pude ir na garupa da égua nos passeios que ele fazia à rua. Meu padrastro, o pai que aprendi a amar, que me deu referência masculina, emprestava-lhe o animal com prazer. Como eles se davam bem!


O trem que Agepê cantou em “Lá vem o trem” (1975) e que me marcou nos versos “dizem que o trem vai chegar e levar para um mundo melhor quem merece”.



O Brasil abandonou o trem para adorar os automóveis, sabe lá Deus em que bases de negociatas. Agora, alguns sonhadores chegam com seus projetos bilionários, que causam incredulidade na maioria, mas é bom entender que nada existe sem ter sido antes sonhado. Como ouvi um dia de um economista, o dinheiro não desaparece, ele simplesmente troca de mãos. E sou obrigado a admitir que o dinheiro é capaz de produzir progresso social e econômico, transformando a geografia dos lugares definitivamente.


É curioso. No seu plano de governo nas eleições municipais de 2012, o atual prefeito Enivaldo dos Anjos incluiu o desejo de que a cidade de Barra de São Francisco tivesse uma ferrovia para escoar o granito que produz em grande quantidade e aumentar a segurança dos transportes, ao mesmo tempo em que diminuiria o custo dos fretes. Na época, o que se podia sonhar era com um ramal da Vitória-Minas, que dependeria do intrincado regime de concessão vigente no modelo ferroviário brasileiro.


Mal podia esperar que, menos de dez anos depois, ao conseguir, finalmente, voltar a ser prefeito de sua terra, após 30 anos, encontraria sua ideia ganhando corpo num contexto nacional de retomada de um projeto ferroviário, não mais com dinheiro público, mas com dinheiro privado. Repito a lição do meu amigo economista: o dinheiro só troca de mãos. E lembro lições aprendidas na Sociologia Econômica de que o capital procura ambientes onde possa se reproduzir. Cada vez mais.


De repente, Barra de São Francisco (notem a associação do São Francisco de seu rio com a região onde Steve Jobs criou e desenvolveu sua Apple, no vale do silício, empresa que vale mais do que todas as empresas brasileiras da Bolsa de Valores, incluídas nossas gigantes Vale e Petrobras) se vê no caminho não de uma, mas de duas ferrovias projetadas pela ambição de progresso de uma empresa criada por um Dom Quixote de la Mancha dos tempos modernos, que dedica sua vida a convencer autoridades, tecnocratas, empreendedores de sua viabilidade e, pouco a pouco, vai concebendo um império – por enquanto na prancheta, mas é assim que se começam todas as grandes transformações.


Não desprezem o futuro. Ele virá, queiramos ou não. Compete aos que têm a oportunidade de fazê-lo o dever de criar a ambiência para que ele venha o mais breve possível. Habilitem-se os que gostam da vida pública. Habilitem-se os que têm espírito empreendedor. Habilitem-se os que gostam de ser operários da coisa, lembrando que a coisa também faz o operário. Percebam a oportunidade como uma mula cotó e agarrem-na pela frente. Se não o fizerem, a única coisa que sairá de sua traseira será estrume – e depois não se queixem.


Eu gosto da ideia de participar de algo que vai ser muito maior do que eu próprio. De algo que vai causar grande impacto, que vai beneficiar grandemente gerações de pessoas que eu nem conheço e que talvez nem venha a conhecer. Agora, imaginem-se, os que estão dentro do espaço geográfico em que a coisa vai acontecer, o quanto podem fazer e se beneficiar.


(José Caldas da Costa, jornalista e geógrafo)


(Na primeira foto, do acervo do IHGA, a inauguração da estação ferroviária de Alegre-ES em 1919; na segunda foto, a mesma estação em 1940)

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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

"Idiotas" unidos jamais serão vencidos

18.10.21
"Idiotas" unidos jamais serão vencidos



Eu me lembro muito bem. Estava acho que na 7ª série (na época era 3º ano do ginasial), corria o ano de 1973, a ditadura comia solta sob Médice, o “simpático” Presidente da República flamenguista, estudava no Colégio Aristeu Aguiar, no Alegre, onde havia ocorrido, nos contrafortes do Caparaó, um movimento guerrilheiro poucos anos antes e não sabíamos de nada disso.

A cidade vivia novos tempos. No início dos anos 70, ganhou duas faculdades – a de Filosofia e a de Agronomia, então Escola Superior de Agronomia do Espírito Santo. Ambas fruto da mobilização de lideranças locais em torno de um governador que foi o primeiro indicado pelo regime militar: Cristiano Dias Lopes. Por isso, seu nome foi dado ao Centro Acadêmico da Esaes, hoje um Centro Universitário vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo, com mais de uma dezena de cursos de graduação, outros tantos de Mestrado e Doutorado.

O curso de Agronomia foi reconhecido pelo Ministério da Educação, salvo engano, em 1975 e houve uma grande comemoração pelas ruas da cidade, patrocinada pelos estudantes, que tomavam banho na fonte da Praça da Bandeira e, mais que isso, buscavam em casa os professores e os atiravam com roupa e tudo dentro d´água. Eu vi tudo isso acontecer com esses olhos que a terra não há de comer tão cedo – a depender de mim.

Mais tarde, a Esaes foi federalizada e incorporada pela Ufes como Centro Agropecuário e foi ganhando corpo até ser o que é hoje, um grande centro de formação de profissionais espalhados pelo Brasil inteiro.

A Fafia, que continuou como autarquia municipal e hoje míngua, teve fundamental importância na formação de professores para as escolas não apenas do Sul capixaba, mas também para cidades mineiras ali pelas bandas do Caparaó. O polo universitário cresceu tanto que há uns dez anos começou uma discussão sobre a criação de uma universidade autônoma na cidade. Hoje, diante dos fatos recentes, já não me iludo com isso.

Quantos profissionais de destaque hoje no Brasil não deram seus primeiros passos na escola pelas mãos de professores formados pela Fafia ou não passaram pelas mãos de estudantes da Esaes e, hoje, Centro de Ciênicas Agrárias da Ufes, que eram aproveitados como mão de obra nas salas de aula quando havia tanta carência de mestres na cidade!?

Sim, eu me lembro bem. Corria o ano de 1973. Márcio, um aluno grandão da Esaes, dava aula de matemática no Aristeu Aguiar e estava em minha sala. De repente, o diretor da escola adentra a sala (vou preservar sua identidade, em respeito à família), não sei o que havia acontecido no dia, dá um “sabão” na turma e nos chama de idiotas. Sim, aquela turma de 40 alunos adolescentes éramos uns idiotas.

Márcio fechou a cara e não falou nada. Quando o diretor saiu, e nós, com cara de, sim, idiotas, o Márcio, na autonomia do comando da classe, dirigiu-se a nós serenamente: “Vocês sabem o que é idiota? Isso é uma ofensa muito grave”. Cheguei em casa, e encontrei um dicionário surrado e fui consultar (não sei quantos o fizeram). Jamais esqueci o peso dessa palavra, ressuscitada pelo atual Presidente da República, eleito pela democracia que ele não parece valorizar.

Os “idiotas úteis” ajudaram a instalar o regime de 64, lutaram pelas Diretas Já, choraram Tancredo, derrubaram Collor e derrubaram Dilma, elegeram o Presidente atual e podem… ah, deixa prá lá.
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